O que os economistas estudam?

Antes de falarmos sobre a pós graduação em economia, vamos voltar um passo: você já parou para pensar o que estudam os economistas? E por que os conhecimentos adquiridos na área são valiosos, especialmente em um mundo cheio de dados?

A ideia deste artigo não é dar uma definição sobre a economia ou ser rigoroso em suas explanações sobre o objeto de estudo da área. Muito pelo contrário, o objetivo é trazer luz às múltiplas dimensões que são abrangidas pela ciência econômica, para não ficarmos tanto à mercê do senso comum. Nem todos os economistas trabalham com juros, dólar, inflação, desemprego, PIB… Essa é “apenas” uma das muitas áreas que a economia abrange, mas ela vai bem além.

Perguntas como “o quanto ter filhos impacta na desigualdade salarial entre homens e mulheres?”¹, “qual é o impacto de tirar cochilos após o almoço na produtividade do funcionário?”², “qual é o efeito do aumento da temperatura no número de hospitalizações”³ podem soar estranhas, mas são bastante comuns em congressos de economia.

Uma das definições mais difundidas diz que a economia estuda a alocação de recursos escassos – basta dar um simples google. Essa definição, apesar de aberta, traz em si um dos conceitos fundamentais: o de trade-offs (ou “trocas”). Dado que vivemos em um mundo de recursos limitados, a cada decisão que tomamos, estamos abrindo mão de alguma coisa (trade-off) e devemos levar em consideração a ideia de custo-benefício.

Os “recursos escassos” podem ser tempo, dinheiro, matéria prima ou energia, por exemplo. Essa definição vai além do nível individual. Considerando que os recursos são limitados, qual seria a melhor forma de se distribuir riqueza na sociedade, por exemplo? Ou como escolher os programas de assistência social que irão trazer maior retorno, já que não é possível investir em todos.

Além da questão da escassez, outro conceito bastante central e que anda de mãos dados com o conceito anterior é o de incentivos. Incentivos são complexos e, se não tomados os devidos cuidados, eles podem sair pela culatra, trazendo consequências indesejadas.

Um exemplo real foi a política de rodízio de carros implementada no México, em 1989. O objetivo da política era restringir a circulação de carros para diminuir o nível de poluição, proibindo carros com determinadas placas de circularem em certos dias da semana. No entanto, o decreto não veio acompanhado de uma melhora em infra-estrutura de transportes públicos e acabou gerando o efeito contrário: muitas pessoas que já tinham um carro, resolveram comprar outro para poder utilizá-lo no dia do rodízio, sendo que a maioria dos carros comprados eram usados e velhos, ou seja, ainda mais poluentes – o que aumentou ainda mais a poluição na cidade.⁴

Esse exemplo ilustra bem a relevância dos incentivos e a importância de levá-los em consideração no momento de se implementar uma política. Mesmo quando conhecemos uma pessoa, não é trivial entender como ela irá reagir a um determinado incentivo. Imagina pensar em milhões de pessoas e como elas irão reagir na média – é uma tarefa bastante complexa! Não é à toa que os modelos estatísticos são um dos melhores amigos de um economista.

Conceitual: um dos pontos que difere a economia de outras ciências sociais

Para além da grade curricular e das matérias quantitativas, na minha visão, um dos principais diferenciais da ciência econômica são os seus conceitos e ferramentas. É uma forma peculiar de se enxergar o mundo e as relações sociais, e que repercutem em uma abordagem específica de se elaborar questões e problemas a serem respondidos.

Com a economia, aprendemos uma série de conceitos – agentes, função utilidade, excedente do consumidor, externalidade, viés de seleção, endogeneidade etc – que à primeira vista podem parecer preciosismo ou até inúteis no mundo real. No entanto, engana-se quem se atém ao rigor da definição em si, os conceitos são muito mais amplos e criam um modelo mental na cabeça dos economistas que os auxiliam a encarar problemas da sociedade – talvez de forma mais quantitativa ou analítica. Dá para ter essa percepção apenas olhando os exemplos de perguntas que elenquei acima.

Não que essa perspectiva seja melhor ou pior do que a de outras ciências sociais. Muito pelo contrário: não acredito que exista uma hierarquia sobre o que é melhor ou pior neste caso. Cada ciência traz uma ótica particular de análise para os mesmos problemas que, em muitas situações, se complementam. Quando observamos em conjunto, quanto mais pontos de vistas diferentes e relevantes tivermos, maior a nossa compreensão sobre o problema e suas dimensões. Não é à toa inclusive que um dos vencedores do prêmio Nobel de Economia dos últimos anos foi um psicólogo – Daniel Kahneman.

Os modelos – Uma das principais ferramentas do economista. Para que servem os modelos na economia?

Podemos dizer que os modelos nos trazem representações simplificadas de algo complexo e de difícil visualização. Nós usamos modelos toda a hora para compreender o mundo ao nosso redor.

Quando imaginamos um átomo, por exemplo, o que visualizamos é aquela imagem com um núcleo e os elétrons rotacionando ao redor. Isso é um modelo! A realidade de um átomo é muito mais complexa do que isso. O mesmo acontece quando olhamos o Waze: ali não estamos vendo a realidade com todas as suas nuances, apenas o essencial para dirigir, os trajetos.

Na economia, usamos os modelos para tentar fazer projeções, analisar impactos de políticas, eventos ou outros choques externos (choques ditos exógenos) no comportamento de indivíduos dentro da sociedade. As relações sociais são de alta complexidade e um pequeno choque pode desencadear uma série de reações – não é trivial entender de forma clara e precisa relações de causa e efeito.

Suponha que quiséssemos descobrir qual é o efeito de uma política pública, por exemplo. Se pudéssemos criar sociedades fictícias e colocá-las em um laboratório, bastava criar duas sociedades iguais e aplicar uma política pública em uma delas e na outra não – este seria o nosso contrafactual, também chamado de grupo controle.

Assim, seria possível entender com precisão qual o efeito causado pela política. Infelizmente (ou felizmente) isso ainda não é possível. Para contornar essa questão, os economistas usam seus modelos! Sejam eles mais rigorosos matematicamente ou mais intuitivos, os modelos auxiliam na visualização e na elaboração do problema e das muitas variáveis que podem nele interferir.

Modelos, como o próprio nome já diz, não são representações fieis da realidade, e nem buscam ser. Eles com certeza ajudam a lidar com questões complexas, mas é de extrema importância ter clareza de suas hipóteses e limitações. Nada mais perturbador e perigoso do que quando economistas querem encaixar a realidade nos modelos ou interpretar os resultados obtidos no modelo como regras para o mundo real! Coisas sem sentido começam a aparecer.

Talvez uma das características mais importantes de um bom economista seja conseguir discernir bem em quais cenários e sob quais hipóteses o modelo é válido, e o que se consegue extrair dele.

A economia em um mundo cheio de dados

Temos dados para tudo hoje em dia, tantos dados que existe até um certo receio da exposição excessiva e da vulnerabilidade que nos encontramos em certos momentos. Deixando a discussão ética à parte, nada mais valioso para os modelos do que um mundo cheio de dados.

Quanto mais dados, mais insumos para os modelos econômicos e, assim, mais possibilidades de análise e dimensões que podem ser estudados. Um cuidado que devemos tomar é entender que os dados por si só não nos contam toda a história. É imprescindível conseguir interpretá-los para chegar a alguma conclusão. E é justo na discussão entre o que é correlação e o que é causalidade que mora o perigo.

Os modelos alimentados pelos dados vão te cuspir valores – no geral, coeficientes em uma regressão -, mas é preciso saber interpretá-los para não chegar a conclusões distorcidas e erradas. Além de conhecimento técnico das ferramentas e hipóteses do modelo, é importante ter um senso crítico de como as suas variáveis podem estar relacionadas.

Suponha, por exemplo, que temos uma base de dados com duas variáveis: (1) a roupa que a pessoa estava usando e (2) se ela tomou sorvete ou não. Se rodarmos uma regressão com essas variáveis, encontraremos que quando a pessoa usava regata, ela tinha mais chance de tomar sorvete. Isso significa que usar regata faz com que a pessoa tome sorvete? Não! Mesmo que na sua regressão os coeficientes sejam de grande magnitude e significantes.

Nesse exemplo é fácil de ver que são variáveis correlacionadas (estão “ligadas”, “acontecem juntas”), mas não tem uma relação causal entre elas (mudar uma não FAZ a outra ocorrer). – é o calor que faz com que a pessoa use regata e é ele também que faz com que mais pessoas tomem sorvete, ou seja, a causa dos dois eventos vem da variável “fazer calor”.

Com problemas do mundo real, essa é uma confusão que pode acontecer com frequência. Como a realidade é mais complexa, costuma ser difícil distinguir correlação de causalidade. Para isso é importante investigar mais a fundo a questão, entender como outras ciências analisam o problema (sociologia, psicologia, epidemiologia, etc), ler entrevistas, fazer uma boa revisão da literatura, etc.

Um economista – ainda mais se for do tipo aplicado – deve sim ter um excelente ferramental quantitativo, mas também um pensamento crítico apurado e levar em consideração as evidências qualitativas do problema.

A economia é uma ciência humana, é preciso entender o que está acontecendo para se chegar a uma conclusão, ferramentas puramente matemáticas não conseguem nos dar, sozinhas, o significado dos resultados. 

Conclusão

Sinto que a economia está na moda hoje em dia. E talvez seja pelo fato de termos um volume grande e crescente de dados, e falta de pessoas que consigam manuseá-los e interpretá-los com rigor. É uma grande habilidade na atualidade!

Não que os economistas saibam perfeitamente, mas nos esforçamos para fazer o melhor. Mais recentemente tenho começado a estudar sobre Data Science e, considerando o pouco que li, me parece existir uma sinergia muito grande entre essa área de estudo e a economia – mas isso fica para ser discutido numa próxima vez.

A ideia deste artigo foi trazer uma visão geral sobre o que estuda a economia sob a perspectiva de alguém de dentro da área. Se você tem interesse em se aprofundar mais nessa ciência, existem alguns caminhos possíveis: fazer a graduação ou a pós graduação em economia.

Para os que têm interesse na graduação, acredito que o processo é mais claro: fazer o vestibular. Já para os interessados em fazer a pós graduação, existem algumas opções: mestrado acadêmico, doutorado, mestrado profissional ou outros cursos profissionalizantes.

Uma boa notícia para quem não é formado em economia é que você pode ingressar nos cursos de pós graduação mesmo assim! Eu mesma sou formada em Administração de Empresas e parti direto para o mestrado em Economia – ao invés de escolher fazer a graduação. Aqui no site temos muitos artigos para te ajudar nesse trajeto.

Esse artigo foi escrito por Liz Matsunaga.

Referências:

¹ Kleven, Henrik, Camille Landais, and Jakob Egholt Søgaard. “Children and gender inequality: Evidence from Denmark.” American Economic Journal: Applied Economics 11.4 (2019): 181-209.

² Bessone, Pedro, et al. “The economic consequences of increasing sleep among the urban poor.” The Quarterly Journal of Economics 136.3 (2021): 1887-1941.

³ Agarwal, Sumit, et al. “Impact of Temperature on Morbidity: New Evidence from China.” Journal of Environmental Economics and Management (2021). Volume 109.

⁴ Eskeland, Gunnar S., and Tarhan Feyzioglu. “Rationing can backfire: the “day without a car” in Mexico City.” The World Bank Economic Review 11.3 (1997): 383-408.